quinta-feira, 25 de novembro de 2010
Ódio
Afinal de contas, o que é um homem? Tudo o que vejo ao meu redor na cultura popular me informa que um homem é aquele que fode e mata. Mas tudo o que vejo ao meu redor na vida me informa que um homem é aquele que ganha dinheiro. Talvez as duas coisas se relacionem, porque ganhar dinheiro em nosso mundo quase sempre exige evitar cuidadosamente foder e matar; por isso, talvez, a cultura supra a parte anulada. Não afirmo saber, nem me importo muito em saber. Acho que isso é problema deles. Atualmente, as mulheres se esforçam para eliminar as imagens que lhes foram impostas. A dificuldade é que existe tanta verdade nessas imagens que repudiá-las freqüentemente significa repudiar também parte do que se é. Talvez os homens estejam no mesmo barco, mas não creio. Acho que eles gostam muito de suas imagens, porque as julgam úteis. Se não julgam, cabe a eles mudá-las. Não sei se é isso que são os homens; estou disposta a não ter nada com eles nunca mais, e só ter crianças através da partenogênese, o que significaria que eu só teria filhas, e isso me agradaria muito. Porém, a outra faceta da imagem - a realidade - é igualmente má. Porque, se os homens que conheci não mataram, não foram ótimos de cama nem souberam ganhar muito dinheiro (na maioria), tampouco foram outras coisas. São simplesmente chatos. Talvez seja esse o preço de estar no lado vencedor. Porque as mulheres que conheço foram fodidas, literal e figurativamente, e estão ótimas.
Uma vantagem de ser uma espécie desprezada é que se tem liberdade, liberdade de ser o que se queira, mesmo que seja algo doido. Se você prestar atenção a um grupo de donas-de-casa conversando, vai ouvir um bocado de besteiras, até de birutices. Acredito que isso seja devido ao fato de elas ficarem muito sós e de terem liberdade de ficar pensando as coisas mais disparatadas sem nenhum impedimento, que alguns chamam de disciplina. O resultado é loucura, mas também brilhantismo. Mulheres comuns dizem as verdades mais incríveis. Você as ignora porque quer. E elas têm licença de prosseguir com suas afirmações desvairadas sem serem postas em um tipo ou outro de cadeia (pelo menos, algumas delas), porque todos sabem que elas são malucas e também que não detêm nenhum poder. Se uma mulher é religiosa ou materialista, passiva ou incrivelmente segura de si, amável ou odiosa, não recebe mais ásperas críticas do que se não for tudo isso; suas opções são: ser castigada como prisioneira ou como prostituta. O que não compreendo é onde as mulheres subitamente conseguem poder. Porque elas conseguem mesmo. As crianças, que quase sempre acabam virando umas titicas, são, como sabemos todos, culpa da mãe. Bem, como foi que ela conseguiu isso, essa criatura sem nenhum poder? Onde estava todo o seu poder durante os anos em que ela lavava roupa cinco vezes por semana e se preocupava em não deixar a roupa branca se misturar à colorida? Como conseguiu eliminar a influência positiva do pai? Como é que ela nunca sabe que tem esse poder, só depois, quando ele recebe o nome de responsabilidade?
O que estou tentando entender é ganhar e perder. Agora a regra do jogo é que os homens ganham enquanto conservam os narizes comparativamente limpos, e as mulheres sempre perdem, sempre, mesmo as mulheres extraordinárias. As Edith Piaf e Judy Garland da vida tornam-se grandes ao capitalizar sua perda. Isso está claro. O que não está claro é o jogo que estamos jogando. O que é que se ganha quando se ganha? Sei o que se perde, pois já tive algumas experiências nesse sentido. O que não sei são as recompensas envolvidas com a vitória, além do dinheiro. Talvez seja isso, talvez só exista isso. Acho que sim, porque quando olho para os vencedores, todos os Norm do mundo, não vejo muita coisa mais: só dinheiro e certa tranqüilidade no mundo, uma sensação de legitimidade.
Você acha que odeio os homens. Acho que sim, apesar de alguns dos meus melhores amigos... Não gosto dessa posição. Não confio em ódio generalizado. Sinto-me como um monge do século XII, esbravejando que as mulheres são más e que se devem cobrir totalmente ao sair para que não conduzam os homens a maus pensamentos. A hipótese de que são os homens que importam, e que as mulheres só existem em relação a eles, é tão tranqüila e subjacente que mesmo nós só a descobrimos há pouco tempo. Afinal de contas, é isso o que lemos: eu leio Schopenhauer, Nietzsche, Wittgenstein, Freud e Erickson; leio Montherlant, Joyce, Lawrence e gente mais tola, como Miller, Mailer, Roth e Philip Wylie. Leio a Bíblia e os mitos gregos, e não questiono por que as últimas reedições relegaram Gaia Telus e Lilith a um rodapé e fizeram de Saturno o criador do mundo. Leio os hindus e os judeus, Pitágoras e Aristóteles, Sêneca, Catão, São Paulo, Lutero, Samuel Johnson, Rousseau, Swift, ou sobre eles, sem me interessar muito... bem, você compreende. Durante anos não levei nada para o lado pessoal.
Por isso agora me é difícil chamar os outros de preconceituosos, porque eu também o sou. Digo imediatamente às pessoas, para preveni-las, que sofro de deformação do caráter, mas a verdade é que estou enojada porque há quatro mil anos os machos me dizem que meu sexo é podre. Fico especialmente enojada quando vejo tantos homens podres e tantas mulheres magníficas no mundo, sendo que todos têm uma ligeira desconfiança de que os quatro mil anos de observação estavam corretos. Atualmente, sinto-me uma fora-da-lei, uma criminosa. Talvez seja isso o que as pessoas percebem ao me olharem tão estranhamente quando caminho na praia. Sinto-me uma fora-da-lei não só quando acho os homens podres e as mulheres divinas, como porque acredito agora que as pessoas oprimidas têm o direito de utilizar meios criminosos para sobreviver. Por meios criminosos quero dizer desafiar as leis decretadas pelos opressores para manter os oprimidos subjugados. Essa posição, porém, me aproxima perigosamente dos que pregam a própria opressão. Estamos limitados aos termos da sentença. Sujeito-verbo-objeto. O melhor a fazer é inverter a ordem. O que não é resposta, não é?
Bem, deixo as respostas aos outros, talvez uma geração mais nova, sem as deformidades sofridas pela minha. Minha opinião sobre os homens é resultado de minha experiência. Tenho pouca solidariedade para com eles. Como um judeu que acaba de ser solto de Dachau, vejo o jovem soldado nazista contorcer-se em dores no chão com uma bala na barriga, e simplesmente sigo adiante. Nem dou de ombros. Simplesmente não me importo. O que ele era como pessoa, isto é, seus temores e desejos, simplesmente não me dizem respeito. É tarde demais para que eu me importe. Outrora eu poderia ter me importado.
Mas o reino encantado está muito além da porta. Odiarei eternamente os nazistas, mesmo que você me prove que eles foram vítimas, estavam sujeitos a ilusão e haviam sofrido lavagem cerebral. A pedra na minha barriga é como a pérola de uma ostra: é o acúmulo de defesas contra uma irritação. Minha pérola é meu ódio, e meu ódio foi obtido com a experiência: isso não é preconceito. Gostaria que fosse. Aí, talvez, eu pudesse esquecê-lo.
Marilyn French, "The Women's Room".
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