Em "O poder do macho", Heleieth Saffioti mostra que a discriminação contra a mulher e o negro no Brasil é socialmente construída para beneficiar quem controla o poder econômico e político. E o poder é macho e branco. A ensaísta, socióloga e advogada, mostra que esse processo baseia-se no patriarcado, no racismo e no capitalismo. Segundo ela, é o conjunto desses três sistemas que deve ser enfrentado, visando à construção de uma sociedade mais justa.
“Historicamente, o patriarcado é o mais antigo sistema de dominação-exploração. Posteriormente, aparece o racismo, quando certos povos se lançam na conquista de outros, menos preparados para a guerra. Em muitas destas conquistas, o sistema de dominação-exploração do homem sobre a mulher foi estendido aos povos vencidos. Com freqüência, mulheres de povos vencidos eram transformadas em parceiras sexuais de guerreiros vitoriosos ou por estes violentadas. Ainda na época atual isto ocorre. Quando um país é ocupado militarmente por tropas de outra nação, os soldados servem-se sexualmente de mulheres do povo que combatem... Desta sorte, não foi o capitalismo, sistema de dominação-exploração muitíssimo mais jovem que os outros dois, que ‘inventou’ o patriarcado e o racismo. Para não recuar demasiadamente na história, estes já existiam na Grécia e na Roma antigas, sociedades nas quais se fundiram com o sistema escravocrata. Da mesma maneira, também se fundiram com o sistema feudal. Com a emergência do capitalismo, houve a simbiose, a fusão, entre os três sistemas de dominação-exploração... Na realidade concreta, eles são inseparáveis, pois se transformaram, através deste processo simbiótico, em um único sistema de dominação-exploração, aqui denominado patriarcado-racismo-capitalismo.”
Heleieth I. B. Saffioti, 'O poder do macho'.
O patriarcado pode ser definido como o conjunto de relações sociais que tem uma base material e no qual há relações hierárquicas entre homens, e solidariedade entre eles, que os possibilitam a controlar as mulheres. Patriarcado é, pois, o sistema masculino de opressão das mulheres (Saffioti, 1999). No sistema patriarcal as mulheres são vistas como objetos de satisfação sexual dos homens, reprodutoras de herdeiros, reprodutoras de força de trabalho e reprodutoras de novas reprodutoras. Portanto, diferentemente dos homens como categoria social, a sujeição das mulheres, também enquanto grupo, envolve prestação de serviços sexuais aos seus dominadores/opressores.
"...a supremacia masculina perpassa todas as classes sociais, estando também no campo da discriminação racial. Ainda que a supremacia dos ricos e brancos torne mais complexa a percepção da dominação das mulheres pelos homens, não se pode negar que a última colocada na "ordem das bicadas" é uma mulher. Na sociedade brasileira, esta última posição é ocupada por mulheres negras e pobres." Heleieth I. B. Saffioti, 'O poder do macho'.
A supremacia masculina institucionalizada é uma constante social tão profundamente radicada que domina todas as outras formas políticas, sociais ou econômicas, gerando um estado de exclusão e discriminação social das mulheres pautado na crença da superioridade masculina. O poder do macho, embora apresente várias nuances, está presente nas classes dominantes e nas subalternas, nos contigentes populacionais brancos e não-brancos e também é legitimado por todas as grandes religiões. Assim, via de regra, a mulher é subordinada ao homem. Homens subjugados no campo do trabalho por uma ou mais mulheres detêm poder junto a outras mulheres através da relação amorosa/sexual. Uma mulher que, em decorrência de sua riqueza econômica, exerça domínio sobre muitos homens e mulheres, enquanto mulher deve sujeitar-se ao domínio de um homem, seja seu pai ou seu marido. Sujeição essa que, diga-se de passagem, nunca foi aceita passivamente pelas mulheres, que historicamente sempre resistiram à ela, mesmo que individualmente e/ou sem teorias e através de manifestações conscientes. Assim, para que a sujeição feminina ao poder do macho seja mantida e possa dar forma ao estado patriarcal no qual nos encontramos, este necessita da instauração de mecanismos de repressão afim de facilitar a acomodação às regras impostas e a aceitação dos mitos sociais cotidianamente reforçado(re)s da superioridade masculina e inferioridade feminina.
O despertar da consciência descobriu que uma forma da existência social do poder masculino está dentro das mulheres. Nesta forma, o poder masculino torna-se auto-inculcado. As mulheres tornam-se "objetificadas na cabeça". Uma vez encarnada, a superioridade masculina tende a reafirmar-se e reforçar-se no que pode ser visto tanto como no que pode ser feito. Assim, o poder masculino é e não é ilusório ao mesmo tempo. Em sua forma de justificar-se, ou seja, como algo natural, universal, inalterável, dado e moralmente correto, é ilusório, porém o feitio de que é poderoso não é nenhuma ilusão. O poder é uma relação social. Dados os imperativos das vidas das mulheres, a necessidade de evitar castigo – desde a rejeição de si mesma até a encarceração involuntária ou o suicídio – não é irracional que as mulheres se vejam de tal forma que sua submissão necessária resulte tolerável, inclusive satisfatória. Viver cada dia convence a todos, às mulheres e aos homens por igual, da hegemonia masculina, que dificilmente pode dizer-se que é um mito, e da inferioridade inata das mulheres e da superioridade inata dos homens, um mito que a repetição cotidiana faz difícil distinguir significativamente da realidade.
Catharine A. MacKinnon, 'Toward a feminist theory of the state'
O reforço contínuo do mito da fragilidade, docilidade e 'feminilidade', da necessidade da presença de uma figura masculina ‘forte’, o treinamento para a maternidade como necessidade fundamental da mulher, o bombardeio midiático da idéia de amor eterno que supera todos os obstáculos e perdoa a todos os conflitos, o culto à imagem que estabelece o embelezamento corporal como feminilidade e a moral religiosa para o controle do corpo e da sexualidade danificam continuamente a consciência feminina e castram o desenvolvimento de grande parte de nossa capacidade crítica. Assim, nós crescemos absorvendo e reproduzindo os valores masculinos como ‘verdades universais’, solidificando a realidade que nos condiciona. Ainda, para a maioria de nós, as determinações do sujeito feminino socialmente construído, ou seja, a maternidade, o casamento, a atividade doméstica, a objetificação do corpo e o direcionamento afetivo-sexual aos homens, são a única realidade conhecida em que podemos nos sentir inseridas socialmente sem graves conflitos. Porém, os riscos sempre existem, por mais que conflitos sejam apaziguados, por mais que nos conformemos às imposições e expectativas em busca de um falso conforto. É um tremendo engano pensarmos que podemos estar de qualquer maneira em segurança dentro de um sistema no qual somos coletivamente atacadas como personificações dos temores paranóicos dos homens e onde cotidianamente temos nossas energias extraídas e nossa existência em si mesma negada sob a ameaça de violências ainda maiores.
Patriarcado cristão – dominio masculino pra quê?
Pra continuar perpetuando
um sistema Homem
que já deu todas as mostras de
ser mais do que falhado?
Pra ficar tentando encontrar uma maneira
de o patriarcado ser mais justo ou melhor?
Não! O patriarcado não vai ser melhor
nem mais justo
porque sua base é a injustiça...
Nunca será um sistema pacífico
porque sua base é a violência
Nunca será democrático
porque sua base é a dominação
Nunca vai ser um sistema equilibrado
porque sua base é a usurpação e o banimento do Feminino
Nunca vai ser um sistema verdadeiro
porque sua base está edificada
sobre um monte de mentiras...
Muito legal, mas porque parou de postar?
ResponderExcluirGostei muito do blog..Abraço
Muito bom
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